“Professor” por um dia

O campeonato de futebol Dente de Leite do clube pode até ser lúdico, mas também é um negócio super organizado: as crianças têm treinos táticos, técnicos e até coletivos. Nesta semana teve treino e um coletivo com a garotada do América, como preparação para a rodada do próximo fim de semana, na qual o time do João enfrentará o Madureira.

O treino estava marcado para as sete e dez da noite, e às sete horas eu já estava lá, esperando pelo João Guilherme, que vinha de casa com a Fê. Ainda havia poucas crianças, que brincavam no campinho de grama sintética impecável enquanto resto do time não chegava. Foi quando eu recebi uma mensagem pelo WhatsApp: era o técnico, que estava avisando aos pais que estava atrasado e não sabia quando chegaria no clube. No fim, o pedido (e o susto): “Edu, me ajuda nessa?”

Levou uns instantes para eu realizar quem era o “Edu”. Ih, rapaz, eu, técnico do time das crianças? E agora? Fiquei um pouco assustado, mas era uma oportunidade que eu não podia perder. Procurei o técnico do América, que já estava iniciando o trabalho de aquecimento dos meninos dele e me apresentei, explicando que o técnico do time do João estava atrasado e tinha me pedido para substituí-lo. Ele, então, me avisou para reunir os garotos e fazermos um treinão técnico antes do coletivo.

Chamei a molecada e expliquei que o técnico ainda não tinha chegado e que eu ficaria no lugar dele. Falei quais atividades nós faríamos no treino e que depois haveria um joguinho amistoso com a turma do América. Tudo legal, mas havia uma criança que estava desconcertada com tudo aquilo.

João Guilherme parecia pasmo. Enquanto as crianças se organizavam para a prática, ele, incrédulo, veio falar comigo.

– Pai, você vai ser o nosso técnico?

– Vou, João, mas é só hoje, só porque o técnico não conseguiu chegar na hora do treino.

Mas pai, você vai ser o meu técnico?!

Qual é o problema, João? Não precisa ficar assustado. É só um treino, depois o técnico volta. Agora vai lá treinar.

Ele se juntou às outras crianças, ainda confuso. O treino correu sem problemas, com exercícios de domínio de bola, tabelas, marcação e chutes a gol de distâncias e ângulos diferentes. Na sequência, seguimos para o coletivo.Fiz uma preleção breve para ensinar rapidamente aos garotos minha mundialmente reconhecida tática da padaria, que consiste em atacar em massa e defender em bolo – amplamente adotada no futebol brasileiro, por exemplo – e para lembrá-los de que era só um treino, sem rivalidades nem brincadeiras. O placar era o menos importante, o que valia era jogar.

Depois disso, recebi um pedido do João:

Pai, no jogo você me chama de “Filhão”?

Tá bom, eu chamo. Mas por quê?

Fiquei sem resposta.

O coletivo correu sem problemas, só o João que não jogou bem. Ele estava ansioso para me agradar e não conseguia se concentrar, não queria sair de perto de mim e ficava longe do jogo. Por isso, as crianças não tocavam a bola para ele e ele ficava irritado, e isso o deixava mais ansioso e aí que ele não jogava nada mesmo.

No fim, o treino aconteceu sem que o técnico conseguisse chegar, mas isso acabou não sendo um problema. Falei com o técnico que tudo tinha ido bem e ele agradeceu. Mas sou eu quem tem a agradecer, porque me diverti muito e ainda pude conhecer melhor o time. No próximo treino ele reassume o posto mas se precisar de um auxiliar, já sabe:a gente estamos preparado aí, muito focados, coesos e imbuídos, graças a Deus, sempre prontos para assumir a responsabilidade, com muita humildade e determinação, respeitando nossos adversários e com o apoio da nossa torcida para conseguirmos nosso objetivo, que são os três pontos, se Deus quiser.

 

Papo de divã

Domingão de sol, tempo bom, coisa linda, maravilha, então partiu todo mundo para a piscina do clube. Fomos nós três mais o Cauê e o Davi, que estavam passando o dia com a gente. Muita farra, diversão e brincadeiras, além de algumas altercações típicas da idade. Uma tarde agradável, sem dúvida. Mas todo carnaval tem seu fim, e chegou a hora de sair, então eu levei os três para o vestiário masculino para tomarem um banho rápido e trocarem de roupa, porque, como eles já haviam acertado, depois da piscina viria o futebol.

No vestiário, para ganhar tempo e evitar mais bagunça, eu resolvi improvisar uma competição: quem se vestisse primeiro ganharia dez pontos, o segundo, cinco e o terceiro, zero. O Cauê, que é muito compenetrado, nem discutiu e começou a se arrumar sozinho; o Davi também, mas bem mais devagar do que o Cauê. Só João Guilherme continuava brincando, correndo, rindo e implicando com os amigos.

Como era esperado, Cauê ficou pronto rapidinho (até amarrou as chuteiras) e começou a tripudiar dos outros dois, se vangloriando dos dez pontos que recebeu pela “vitória”. Davi tinha vestido camiseta e calção, mas se enrolou com as meias e não sabia calçar as chuteiras, por isso eu o ajudei. Mesmo assim ele recebeu os cinco pontos pelo segundo lugar, porque João Guilherme…

João estava totalmente alheio a qualquer coisa que acontecia ao redor. Corria nu pelo vestiário como se a vida dependesse daquilo. E não adiantou Cauê e Davi repetirem que ele ficaria em terceiro lugar na “disputa” e não receberia ponto nenhum. Eu mesmo tive de arrumá-lo todo depois de ter terminado com o Davi, senão ele continuaria na brincadeira sabe-se lá até quando.

Pouco depois, quando já estávamos a caminho da quadra, ele me perguntou, com uma carinha tristonha, se era verdade que ele tinha ficado em último na competição de se arrumar e tinha levado zero ponto. Eu, que nem me lembrava mais da história, confirmei que sim e fiquei até assustado com a cara sentida que ele fez. Ele estava triste de verdade.

Como costumo fazer nessas horas, agachei na frente dele e, olhando bem nos olhos, expliquei que era uma brincadeira, que eu tinha inventado a competição só para eles se arrumarem rápido, senão eles demorariam muito tempo no vestiário mas que ele também tem de entender que as regras estão aí para ser cumpridas, e que a regra do jogo era que quem se arrumasse por último não receberia ponto nenhum, então se ele quisesse receber algum ponto teria de ter se esforçado para não ser o último mas não era para ele levar aquilo tão a sério.

Ele disse que entendeu e seguiu para a quadra jogar bola, mas eu fiquei com a pulga atrás da orelha: será que eu peguei pesado e estou estimulando uma competição excessiva entre as crianças (o que, infelizmente, é inexorável e elas estão enfrentando cada vez mais cedo) ou foi só uma brincadeira mesmo, e João Guilherme, que é dramático mesmo, acabou reagindo mal? Não tenho resposta agora, e talvez seja só neurose minha, mas eu não quero estimular a formação de crianças competitivas e desesperadas.

Pedal na Niemeyer

Foi um fim de semana de “turistar em casa”. Depois de termos conhecido a nova Praça Mauá e o Museu do Amanhã, Fê e eu resolvemos experimentar a nova ciclovia da Niemeyer, construída sobre o costão da Avenida Niemeyer para ligar o Leblon a São Conrado. É mais uma etapa do projeto “Complexo Tim Maia”, que pretende unir em uma única ciclovia toda a orla do Centro, Zona Sul e Zona Oeste da cidade, desde o Santos Dumont até Grumari. Agora só falta o trecho entre São Conrado e Barra, que vai ser feito por meio da ciclovia anexa ao Elevado do Joá. Quando tudo estiver pronto, serão aproximadamente sessenta quilômetros de ciclovias com uma bela de uma paisagem.

Este trecho de ciclovia, em particular, é uma grande passarela construída sobre a pedra com quatro quilômetros de extensão, subindo e descendo a Niemeyer, passando pelo Vidigal. Eu já havia feito esse trajeto outras vezes, correndo nas meia maratonas de que participei, então sabia que seria tranquilo, mas aquele cara sedentário, que pega na bike uma vez ou outra também pode ir numa boa, porque qualquer bicicleta com marchas, como as do Bike Rio, encara aquela subida tranquilamente (para bikes sem marcha, aí eu já recomendo certo preparo físico).

wp-1453817999637.jpg

Descendo em direção a São Conrado: ao fundo, a torre do Hotel Nacional e, mais além, a Pedra da Gávea

Como a ciclovia foi inaugurada dia 17 deste mês, tudo ainda está novo, mas eu notei algumas falhas de estrutura: a sinalização, seja vertical (placas) ou horizontal (pintada no chão) quase não existe e não há indicação de distância percorrida (e isso existe em todas as outras ciclovias da orla), o que não parece muito, mas ajuda bastante a saber onde você está. Também são poucos os pontos de acesso à ciclovia, um na Delfim Moreira, outro no Leblon, outro na Prefeito Mendes de Morais, em São Conrado, e mais alguns perto dos acessos ao Vidigal, mas isso até se explica em razão do próprio local onde ela foi construída: não faz sentido querer sair da ciclovia e entrar na Niemeyer, que é estreita e movimentada. Mas o mais preocupante é que não havia nenhum policiamento por toda a extensão da via, aí é fácil acontecer isso.

Ah, mas ela fica sobre a pedra e lá embaixo tem o mar! E aí, eu posso cair? Não, as grades de proteção têm mais de um metro de altura, então só cai no mar quem se jogar. Por outro lado, há lugares em que não há grades de proteção separando a ciclovia da rua, só o desnível de mais de meio metro entre ambas, então dificilmente um carro vai invadir a ciclovia, mas é bem possível que um ciclista ou pedestre (é uma pista compartilhada) caia na via e seja atropelado sim. Tem de ver isso aí.

Aliás, ser uma pista compartilhada significa que pedestres e ciclistas ficam constantemente disputando espaço, e volta e meia surgem pessoas bloqueando toda a via. Além disso, há os famosos pilotos que aproveitam as ladeiras para tentar quebrar a barreira do som com suas bicicletas como se não houvesse mais ninguém por ali. Enfim, nada que não seja corriqueiro nas ciclovias da Zona Sul. Quem já tem certa experiência não vai estranhar, mas os não habituados ao pedal precisam ficar atentos.

E qual é, afinal, o tamanho dessa brincadeira? Só depende de onde você, leitor curioso. Vamos aos números: se você só quer subir e descer a ciclovia Tim Maia, serão oito quilômetros (quatro para a ida, mais quatro para a volta). Se você quiser esticar por São Conrado, serão mais 1.600 metros para cada perna, ou seja, mais 3,2 km. Desde o Arpoador até São Conrado, ida e volta, serão 17,6 km. Se o lance for começar e terminar lá no Leme, aí você terá razoáveis 26 quilômetros de pedal, ao todo, e se você quer passear por toda a orla do Centro e Zona Sul, desde o aeroporto Santos Dumont, serão 23 quilômetros só de ida passando pelo Calabouço, Glória, Catete, Flamengo, Botafogo, Leme, Copacabana, Arpoador, Ipanema, Leblon, Vidigal e São Conrado. É muito, mas pode acreditar: vale o passeio.

Museu do Amanhã

Neste fim de semana resolvemos ir à Praça Mauá, no Centro, para conhecer o Museu do Amanhã, inaugurado há um mês. Eu estava preocupado com a já famosa fila, que nos dias seguintes à inauguração chegava a três horas, mas achamos que valia a pena tentar. Se não desse para entrar, pelo menos apreciaríamos o entorno do museu e conheceríamos a “nova” Praça Mauá, que ainda jazia sob o horrível Elevado da Perimetral da última vez que eu a vira.

Chegar lá é moleza e o melhor caminho é o metrô: basta descer na estação Uruguaiana, atravessar  avenida Presidente Vargas pela rua Uruguaiana e seguir pela Rua do Acre até a praça. Não tem erro: o Museu do Amanhã estará bem à frente. E se a visita for durante a semana, recomendo almoçar no Paladino (na esquina da Uruguaiana com Marechal Floriano) antes, já que o museu só abre ao meio dia, mas tem uns foodtrucks interessantes ao lado do porto também, pra quem preferir.

Mapa Museu do Amanhã

O mapa indica 13 minutos de caminhada, mas nós fizemos oito

E é a própria Praça Mauá a primeira atração para quem visita tanto o Museu do Amanhã quanto seu “irmão” MAR (Museu de Arte do Rio), que fica à esquerda. Para quem não é do Rio, a Praça Mauá de antigamente pode ser descrita como um local muito feio. Ela marcava o início das avenidas Rio Branco, que segue na direção do Aterro do Flamengo e hoje está parcialmente interditada ao tráfego, e Rodrigues Alves, que acompanhava o Cais do Porto até a Rodoviária Novo Rio por baixo da horrenda Perimetral, atualmente desativada. Olhando para o mar, à direita via-se o moderno edifício Rio Branco 1 (ou RB-1) e instalações da Marinha; à esquerda, a 1.ª Delegacia de Polícia Civil e um terminal de ônibus; à frente, a horrorosa Perimetral e, mais adiante, o antigo Cais; atrás, o edifício A Noite e as boates que viviam cheias de prostitutas e marinheiros, como a indefectível Flórida.

Praça Mauá Perimetral

A Praça Mauá antes, ainda com a Perimetral

Pois eu confesso que fiquei levemente chocado quando me deparei com aquele espaço amplo e bonito, com crianças correndo e brincando, jovens andando de skate e patins, casais namorando, pessoas caminhando ou pedalando de um lado para o outro, os dois museus, os trilhos do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), foodtrucks e o Porto com seus terminais, armazéns e transatlânticos. A praça foi completamente recuperada e não sobrou nem um resquício da lamentável Perimetral para contar a história. O hediondo elevado foi extirpado da paisagem da cidade, como se nunca tivesse existido, e isso é ótimo.

PRaça Mauá hoje

A Praça Mauá hoje

Posso parecer muito empolgado, e estou mesmo. Desculpem por isso, mas é que eu passei anos da minha vida lamentando por aquele pedaço do Centro da cidade por onde eu passava todo dia indo para casa, pensando que toda aquela região poderia ser bem mais bonita e interessante se não fosse por aquela odiosa via elevada que enfeiou a orla norte do Rio desde o aeroporto Santos Dumont até a rodoviária, por cinquenta e quatro anos. Sendo assim, ver como aquela área ficou bonita e que ela efetivamente se transformou em um espaço de lazer para cariocas e turistas realmente me deixou bem contente.

wp-1453741764227.jpg

Praça Mauá, quem diria…

Mas vamos ao museu. Eu disse lá em cima que estava preocupado com a fila de entrada, que tem sido enorme nesses dias de férias, mas correu tudo bem, não só porque ela não estava tão grande assim quando chegamos (pouco depois do meio dia) como também porque há uma regra interna que garante prioridade de atendimento para crianças até seis anos, que podem ser acompanhadas por até dois adultos, então João, Fê e eu entramos rápido. O ingresso custa dez reais a inteira; cinco, a meia (crianças, maiores de 60 anos, moradores do Rio com comprovante de residência, nascidos no Rio ou correntistas do Santander).

O acervo do Museu do Amanhã é, como a maioria dos museus de hoje, digital e interativo. Vou parecer velho, mas não estou muito acostumado com isso. Acho esquisito, mas sei que é uma tendência irreversível e vantajosa, além de estar totalmente coerente com a proposta do museu. Ele é dividido em alas que, basicamente, mostram por meio de vídeos, gráficos e telas interativas de onde viemos, quem e o que somos, onde vivemos e para onde vamos. Tudo isso em um ambiente claro, amplo e bem iluminado.

wp-1453741205587.jpg

Curvas elegantes, espaço e muita luz nos corredores do Museu do Amanhã

Do lado de fora o museu oferece outro espetáculo: as placas de captação de luz solar para geração de energia que ficam na fachada do prédio se movem periodicamente, dando a impressão de que o edifício está “dançando”. Só se tem uma ideia melhor do movimento a certa distância, mais ou menos na altura do letreiro “#cidadeolimpica” que está na Praça Mauá já está bom.

wp-1453741764233.jpg

A área externa do museu tem um grande espaço para quem quiser aproveitar. Como o prédio e redondezas ficaram muito bonitos, o lugar é perfeito para fotos, selfies, vídeos e postagens em todas as redes sociais possíveis. Estava um pouco enlameado por causa da chuva que havia caído durante a semana, mas isso não atrapalhou. João adorou, e terminamos a tarde com um sanduíche em um foodtruck, antes de pegarmos o metrô de volta para casa.

Visitar o Museu do Amanhã é um programa altamente recomendável para uma tarde. É bonito, é interessante e é muito mais barato do que levar a família para o cinema. E ainda faltou ver uma série de coisas nas redondezas, como as obras do VLT na Rodrigues Alves ou conhecer as ladeiras do Morro da Conceição. Isso vai ficar para outro sábado.

Perdeu, Playboy

A primeira Playboy que eu comprei foi a de fevereiro de 1990, que trazia Mara Maravilha na capa. Na época eu tinha 14 anos e a compra exigiu a ajuda de um amigo por causa de um surto de ética do dono da banca de jornais, que não quis me vender a revista por me achar muito novo para ver mulher pelada.

Era pra isso que se comprava a Playboy: ver mulher pelada. Basicamente, era para isso que ela existia. E na minha adolescência/juventude, a revista estava no auge, trazendo nas capas as mulheres mais bonitas, gostosas e desejadas do Brasil. Por isso muitas outras foram para casa escondidas na mochila depois daquela de fevereiro de 1990, e eram tratadas como tesouros que eu escondia no fundo de gavetas ou no fundo do armário do meu quarto na certeza juvenil de que ninguém as encontraria.

Capa Playboy 02-1990

A primeira “Playboy” a gente nunca esquece

À medida que eu crescia, comecei a perceber que, além da mulherada, a Playboy também apresentava ótimas entrevistas (que eram a desculpa cara de pau que muita gente usava para comprar a revista), e comecei a apreciar o outro conteúdo que ela trazia. Mas a prioridade sempre foram as garotas da capa (se bem e alguns ensaios secundários conseguiam ser ainda melhores que os das capas). E assim a vida foi seguindo.

Só que, com o tempo, a coisa desandou. Os ensaios fotográficos começaram a ficar pasteurizados, previsíveis e sem graça e o perfil das capas mudou – antes só posavam para a Playboy mulheres famosas, bonitas e desejadas pelo público, de repente a revista virou reduto de “famosas quem?”, ex-BBB, bailarinas do Faustão e panicats, quer dizer, antes as mulheres ficavam famosas para sair na Playboy, hoje elas saem na Playboy para ficar famosas. Além disso, os próprios ensaios, que antes eram elegantemente eróticos, passaram a variar entre o constrangedoramente vulgar, com mulheres que querem aparecer, e o irritantemente recatado, em que as fotografadas parecem ter vergonha de tirar a roupa.

Isso é uma coisa que me irrita, e o que vou falar agora não tem nenhum conteúdo sexista ou machista. Vamos ao juridiquês: um contrato é um acordo de vontades manifestadas de forma livre e desimpedida em que duas pessoas assumem direitos e obrigações. No caso que estamos discutindo, uma das partes é a modelo, que se compromete a exibir seu pretensamente belo corpo nu para ser fotografado, mediante pagamento de cachê; a outra parte é a revista, que, por sua vez, se compromete a pagar o cachê negociado e publicar as fotos da modelo em uma de suas edições mensais, em todo o território nacional. Então a modelo concordou em ser fotografada nua, e a revista concordou em pagar pelas fotos. Ao mesmo tempo, o consumidor da revista celebra um contrato de compra e venda com a editora: ele paga (por assinatura ou nas bancas) para ver, basicamente, a modelo da capa nua (em que pese seu eventual interesse por outras matérias que possam formar a publicação). Então uma revista de mulher nua que não traz fotos de mulher nua (ou, por outra, traz fotos de mulheres que não estão nuas, ou ainda, de mulheres que, apesar de estarem nuas, fazem poses que não permitem que os leitores efetivamente vejam o que querem ver – vocês entenderam) não é só sem sentido, mas também não tem amparo jurídico e é uma violação ao direito do consumidor, que não recebe do fornecedor o produto que adquiriu. Eu já comprei edições que, se pudesse, colocaria de volta no plástico e  devolveria ao jornaleiro, exigindo meu dinheiro de volta.

Não são só os ensaios fotográficos que têm má qualidade, o conteúdo da revista em geral piorou muito. Em suma, o produto, cujo preço alto se justificava pela qualidade, não se justifica mais. O que era caro mas bom se tornou caro e ruim. E a concorrência, que antes era fraca e limitada, hoje é irresistível, com a internet. Então, por que alguém pagaria muito por algo que ficou monótono, repetitivo e desinteressante quando pode conseguir coisa melhor na quantidade que quiser, quando quiser e onde quiser e o melhor, de graça?

Por isso, não fiquei surpreso quando soube da decisão da Editora Abril de deixar de publicar a Playboy brasileira a partir de janeiro de 2016 – a última edição da revista será a de dezembro de 2015, cuja capa ainda não foi anunciada. A própria Playboy americana já havia anunciado que não publicará mais ensaios de mulheres nuas no ano que vem por causa da concorrência com a internet, o que indica ou uma mudança em seu modelo de negócios ou que o gato subiu no telhado por lá também.

A Playboy fez a minha alegria (e a de muita gente também) por muitos anos, foi ícone cultural, criou tendências, ditou comportamentos e até criou o termo “playboy”, usado no mundo todo. O “mundo de Playboy” era onde todo mundo queria estar, as festas do “Click” eram as noitadas VIP do VIP, mas a revista ficou velha, chata e ultrapassada. Um produto ruim e caro, que realmente não tem como se manter. Por isso ela vai acabar depois de quarenta anos e quatro meses. E, tirando alguns comentários aqui e ali, mais saudosistas do que qualquer outra coisa, ninguém parece dar muita importância para o fato, o que mostra que a publicação não tem mesmo mais lugar atualmente. Espero só que a última capa valha a pena e não seja só mais uma das tranqueiras às quais ela se habituou Mas, francamente, duvido muito.

Vamos cantar aquela musiquinha

Falando em aniversário, eu sou do tempo em que se cantava o clássico “Parabéns pra você” (o correto, em termos gramaticais, seria “Parabéns a você“, mas nem adianta discutir) nas comemorações. Vivi a mudança para o “Parabéns da Xuxa”, que ofuscou a canção antiga (claro que eu cantei isso pra burro, a Xuxa foi um dos maiores ícones pop dos meus 11 ou 12 anos) e ainda acompanhei, à revelia, o surgimento do “Parabéns” da Aline Barros. E ainda tive de aturar o infame “com quem será”, que virou praticamente a segunda parte de qualquer uma dessas músicas

Parêntese: um dia, em uma festinha de aniversário, os pais do aniversariante começaram a cortar o bolo logo depois de cantarem “Parabéns pra você”, sem o “com quem será?”. João Guilherme olhou para mim e perguntou se tinha acabado. Quando eu respondi que sim, ele retrucou: “mas e o ‘com quem será’?”.

Mas as músicas de aniversário de que eu lembro com mais carinho são outras, coerentes com a infância de alguém que cresceu cercado de gente idosa. A minha avó não cantava “Parabéns pra você” em aniversário nenhum, as músicas dela eram sempre outras, mais antigas e muito mais bonitas; eu lembro especialmente de duas: a primeira, que ela entoava com a maior empolgação, era a “Canção de Aniversário“, de Albertinho Fortuna (que eu toquei para mim mesmo ontem, para como um tributo à vovó). Não tenho a data em que ela foi gravada ou composta, mas é antiga, bem antiga mesmo. Notei que a letra do link tem uma diferença em relação à música que a minha avó cantava: o terceiro verso diz “faço votos que chegue a um centenário”, mas eu lembro que ela cantava “faço votos que chegue ao centenário” e não sei qual é a verdadeira, apesar de gostar mais da versão da minha avó.

A outra que fez parte da minha infância é “Parabéns! Parabéns!“, gravada pelo saudoso palhaço Carequinha, que também é muito, muito antiga (eu vou ficar devendo a data de gravação). E tem uma terceira música, que eu lembro de ter ouvido minha avó cantar em uma única ocasião. Não consegui descobrir o nome dela, nem quem a compôs ou gravou, mas lembro da letra, que era assim:

Feliz Aniversário, luz dos olhos meus
são os meus ardentes votos
feliz aniversário junto aos seus.
Que esta data se repita muitos anos
cheia de alegria e de prazer
é esse o meu presente
Feliz Aniversario junto aos seus.

Pesquisando no Google, encontrei uma versão da letra com uma diferença no terceiro e no sétimo versos, em que consta “feliz aniversário pra você”. Como é outra letra antiga, do tempo em que o formalismo da gramática era muito mais rigoroso do que hoje (era uma época de português bem falado), acho improvável que a música original contivesse um verso em que estivesse escrito “pra você”. Além disso, “junto aos seus” é muito mais coerente com a linguagem de 80 ou cem anos atrás. Por isso, acho que a versão da minha avó está certa. De qualquer modo, é outra música muito bonita.

É interessante ver como as músicas de aniversário refletem suas épocas. As de antigamente são solenes, pomposas e elaboradas, tinham emoção e ternura nas letras mas são tão pomposas que, hoje, é até estranho associá-las a um dia de festa; as atuais são simples e alegres (apesar de serem pobres em conteúdo), para facilitar a memorização da letra. No entanto, esta é uma discussão puramente formal. O conteúdo, no fim das contas, é o mesmo: é seu aniversário, rapaz! Parabéns, muitos anos de vida e seja feliz! O resto é questão de estilo.

Bobeatus Sunt, ano VII

Aos trancos e barrancos chegamos aos sete anos de vida no último dia 26 de setembro. Apesar de a data não ter sido registrada tempestivamente no blog, ela foi efusivamente comemorada em um evento discreto para o qual foram chamados somente os amigos mais chegados, como mostra a foto abaixo.

Festinha de comemoração pelos 7 anos do blog, só para os amigos mais chegados

Festinha de comemoração pelos 7 anos do blog, só para os amigos mais chegados

Maldade

Eu estava no metrô, voltando do trabalho. Perto de mim, um menino de aparentes seis anos, trazendo nas mãos um boneco do Batman, conversava com o pai, uma conversa trivial, nada de diferente. Até que o pai falou:

– Você sabia que tem um conjunto de Lego em que dá pra montar uma Batcaverna completa? E ainda tem os vilões: o Coringa, o Pinguim, o Duas Caras…

O rosto do menino se iluminou: – É, pai?!

É. Custa 429 reais.

Aí o pai emendou na lata:

– Você nunca vai ganhar esse brinquedo (com bastante ênfase no “nunca”).

O menino continuou sorrindo, mas agora era um sorriso meio bobo, de quem tinha sido pego de surpresa e não estava entendendo nada:

– Por que, pai?

A resposta foi ainda pior:

– Você acha que eu vou gastar 429 reais em um presente para você?

O menino ainda tentou contemporizar:

– Mas se fosse de graça você comprava?

– Comprava, mas não vai ser de graça nunca, então esquece.

Tomara que tenha sido uma brincadeira entre pai e filho, mas fiquei com a impressão de que não era. E fiquei meio chocado com essa conversa. Precisava dessa sinceridade toda? Maldade com a criança, rapaz!

De volta para o futuro

Os nerds e aqueles que têm por volta de 40 anos devem saber que hoje, 21 de outubro de 2015, é o dia em Marty McFly chega em Hill Valley, na Califórnia, a bordo da máquina do tempo construída sobre um DeLorean DMC 12, vindo diretamente de 1985, no sensacional “De Volta Para o Futuro 2”, de 1989.

E como o 2015 em que vivemos não tem nada a ver com o 2015 projetado pelo filme, escolhi um vídeo do Mega Curioso que mostra como McFly ficaria surpreso, e também um bocado decepcionado, com o que ele encontraria hoje se a viagem no tempo do filme fosse possível…

Micos

O prédio onde eu moro fica perto de uma mata, e nela vivem muitos micos. São da espécie Callithrix penicilata, também conhecidos como sagui-de-tufos-pretos, mico-estrela, ou simplesmente sagui. São pequenos, com comprimento em torno de 30 centímetros, sem contar a cauda, e sua população tem aumentado devido à ausência de predadores naturais e à abundante fonte de comida, porque muitos vizinhos os acham umas gracinhas e gostam de ir até o playgorund para alimentá-los com frutas.

Isso tem gerado dois inconvenientes, basicamente: os saguis têm espantado os pássaros da mata e muitos deles (pombos, inclusive) têm se refugiado no prédio, fazendo seus ninhos nos nichos de ar condicionado dos apartamentos, onde é quente e protegido; além disso, eles estão se adaptando à rotina de ser alimentados pelos moradores, e por isso vêm invadindo o playground quase todas as manhãs, procurando o pessoal que vai descolar aquele lanchinho 0800 para eles.

Por esta razão, ontem de manhã a Fê e eu fomos surpreendidos por uma visita inesperada: um sagui estava na sala, perto da porta da cozinha, possivelmente procurando alguma coisa para fazer uma boquinha. Quando ele nos viu, voltou correndo para a varanda, e aí eu descobri que ele estava acompanhado, porque outros dois saguis estavam fazendo a guarda e vigilância do local, um em cima da rede e outro na grade do parapeito.

Flagrante dos dois que estavam de campana acobertando a ação do elemento que se evadiu do local

Flagrante dos dois que estavam de campana acobertando a ação do elemento que se evadiu do local

(“Mas como eles chegaram até ali”, a Fê me perguntou. Acho que não foi difícil. Nós moramos no primeiro andar e há muitas árvores no play. Eles alcançaram alguma varanda por uma dessas árvores e foram passeando até chegar na nossa, que tem telas de proteção cujas tramas deixam espaço mais que suficiente para os bichinhos passarem, Como a porta da varanda estava aberta, o indivíduo foi entrando sem a menor cerimônia, se sentindo em casa.)

Aí ficamos nós três (Fê, João Guilherme e eu) do lado de dentro, espiando os miquinhos e eles, do lado de fora, também nos olhando pensando no que fazer, provavelmente meio chateados porque não rolou lanche. Um deles pulou para a janela do quarto do João e eu corri para lá para fechá-la, depois ele foi pra janela do meu quarto, aproveitando as telas de proteção, e eu fui junto para fechar aquela janela também. Sacanagem com o bichinho, eu sei, mas, numa boa, nós não queríamos nenhum mico-estrela fazendo bagunça dentro de casa.

Eles continuaram brincando mais um pouco, e deu para perceber que eles estavam se divertindo com as redes de proteção, até que cansaram e foram embora tentar se dar bem com algum vizinho. João adorou ver os miquinhos claro, mas não o deixamos chegar perto porque ele podia ser mordido. E depois ainda tivemos de lavar o xixi deles da varanda – ainda bem que só tinha no chão, e não na rede.