Santa Croce e o Chaves

A igreja da Santa Cruz, ou Santa Croce em italiano, é um dos monumentos históricos mais importantes de Florença. Durante séculos era comum que as figuras ilustres e abastadas das cidades fossem sepultadas dentro de igrejas, costume que foi abolido em razão da saúde pública – os corpos em decomposição sob o piso do prédio eram fonte de doenças para os fiéis, que passavam horas lá dentro, todo dia.

Santa Croce

Sob este aspecto, o que diferencia Santa Croce de outras igrejas é quem está sepultado lá: falamos de Galileu Galilei (o túmulo mais solene), Nicolau Maquiavel, Michelângelo Buonarroti (o túmulo mais bonito), Gioacchino Rossini, Vittorio Alfieri, Ugo Foscolo e Dante Aligheri – o caso de Dante é interessante porque ele morreu em Ravena, durante o exílio, e por isso aquela cidade se recusa a devolver os restos mortais para Florença até hoje; mesmo assim foi construído um túmulo para ele dentro da igreja, que também é conhecida como “Panteão das Glórias Italianas”.

Túmulo de Galileu Galilei

Túmulo de Michelângelo

Esses túmulos, de gente tão importante – convenhamos, não é qualquer um que está sepultado lá -, fizeram com que Santa Croce fosse muito concorrida para o enterro de outros filhos, ou não, de Florença. Eram os “quase famosos”, ou as “subcelebridades” de então, embora vários níveis acima. Pegaria bem, portanto, ter sua última morada bem perto daqueles expoentes do conhecimento universal. Por isso, o piso da igreja é coalhado de sepulturas, que ficam ainda mais numerosas à medida que se aproxima do altar da nave principal.

Túmulo “fake” de Dante Aligheri

Túmulo de Nicolau Maquiavel

Santa Croce é um passeio imperdível, um dos monumentos de Florença que o visitante definitivamente não pode perder. Ela está um pouco afastada das demais atrações do Centro Histórico, mas nada que desencoraje, porque não é uma caminhada tão longa e, além disso, a paisagem compensa. A igreja está aberta à visitação de segunda a sábado, das 9h30 às 17h30, aos domingos e dias santos das 13h às 17h30, e o ingresso custa seis euros por pessoa. Fica fechada em 1.º de janeiro, no domingo de Páscoa, dias de Santo Antônio (13 de junho), de são Francisco (4 de outubro), de Natal e de Santo Estêvão (26 de dezembro), então é necessário se programar para não dar com a cara na porta.

Outros túmulos, de pessoas não tão famosas mas bem abastadas, dentro de Santa Croce

A igreja também tem uma lojinha que vende os artigos em couro produzidos na Escola de Couro, uma oficina de artesãos que confeccionam itens como cintos, bolsas, carteiras botas, jaquetas… mas o preço que eles cobram é um pecado, vade retro! Dê uma olhada mas, quando a vendedora abordá-lo perguntando se você gostou de alguma coisa, agradeça e decline com educação para, em seguida, sair de mansinho.

E foi durante a visita a Santa Croce que aconteceu a história mais inusitada da viagem. Fernanda sentiu sede e paramos em um barzinho ao lado da igreja para comprar água. Eu estava esperando enquanto ela estava na fila do caixa, totalmente distraído, quando escutei alguém falando alguma coisa bem perto de mim. Me virei e vi um homem de cinquenta e poucos que apontava para mim e falava:

– El Chavo del Ocho!

– Hein?!

– El Chavo del Ocho!

Ele se referia ao imortal personagem de Roberto Gómez Bolaños conhecido no Brasil como Chaves. O nome original do programa tem uma explicação controversa: há quem diga que “ocho”, ou oito, é o número da casa em que o Chaves morava (se for isso mesmo então não, ele não morava no barril, sinto destruir sua ilusão de infância), mas há quem sustente que “ocho” era o número do canal da emissora de televisão mexicana que transmitia o programa (e assim o mito do barril resiste). O homem apontava para a minha camiseta, que tinha o rosto do Seu Madruga (interpretado por Ramón Valdez), e me disse:

– Rapaz, eu era fã desse programa quando eu era criança, lá em Porto Rico! Quanto tempo, nunca mais tinha ouvido falar dele!

– É mesmo? – respondi – Nossa, no Brasil ele faz um sucesso enorme, há vários anos!

– Ele ainda é exibido no Brasil?! Fantástico!

O engraçado dessa história toda é que, quando eu peguei a camiseta na mala, eu realmente esperava chamar a atenção sim, mas de algum brasileiro, e não de um porto-riquenho cinquentão em plena Florença, assim como eu acho que aquele homem, que depois da conversa rápida agradeceu e foi embora, não imaginava que veria um ícone da infância dele na camiseta de um brasileiro tão longe de casa.