Pica Pau desce as cataratas

O desenho mais famoso do Pica Pau é “Pica Pau Desce as Cataratas”, em que o protagonista resolve que vai descer as Cataratas do Niágara, que separam os Estados Unidos do Canadá, dentro de um barril, para desespero do guarda florestal responsável por impedir que qualquer um tentasse repetir a aventura. Hoje isso não faz muito sentido, mas houve época em que se atirar de uma cachoeira de 52 metros de altura dentro de um barril de madeira foi um esporte radical muito popular.

O mais engraçado do desenho era que sempre que o guarda tentava impedir o Pica Pau de entrar na água, era ele próprio quem acabava, acidentalmente, descendo a cachoeira em um barril, para delírio da multidão, e os gritos de “marche!” que o mesmo guarda dava em uma tentativa de voltar à cachoeira, em uma quase volta ao mundo em todos os meios de transporte possíveis para, mais uma vez tentar, impedir o Pica Pau de se jogar queda d’água abaixo.

Eeeeeeeeeeee!!!

Eeeeeeeeeeee!!!

Nessas férias eu fui com a Fê a Maringá, uma vilazinha que fica nos arredores de Visconde de Mauá, assim como Maromba. Visconde de Mauá é um distrito do município de Resende, mas em vários pontos não se tem muita certeza sobre se estamos também nos municípios de Itatiaia ou Bocaina de Minas, já em Minas Gerais. É um destino muito procurado nos meses de inverno e, apesar de já ter sido o vilarejo preferido por quem queria fazer um acampamento roots, praticamente sem contato urbano (por causa, principalmente, da dificuldade de acesso), hippies e por aqueles que queriam curtir um baseado sem maiores preocupações, hoje a região conta com uma estrada asfaltada e em boas condições, várias pousadas confortáveis e restaurantes bastante interessantes.

Outra atração da região são as cachoeiras, que são várias. Há muitas agências de turismo que alugam quadriciclos, motos ou bugres, e oferecem guias para que os visitantes possam conhecê-las, em roteiros mais ou menos extensos. Sempre é possível, também, fazer tudo a pé, mas isso requer muita disposição. Por isso, é mais comum que Mauá e arredores seja visitada por casais sem filhos, que querem descansar e namorar, ou com filhos um pouco mais crescidos, para encarar os roteiros de cachoeiras.

Eu e Fê resolvemos fazer um roteiro curto, que duraria uma tarde e nos levaria a quatro cachoeiras: Véu da Noiva, Poção, Escorrega e Paiol. Alugamos um quadricilclo e um guia nos conduziu pelas ruas da região, que são de terra, mas não chovia havia pouco tempo, elas nem estavam enlameadas nem soltavam muito pó, o que é ótimo quando você não está protegido dentro de um carro. Percebi que o quadriciclo é perfeito para a região: não há preocupação em cair e o tamanho pequeno o torna mais fácil de manobrar que um carro. Estranho mesmo é acelerar com o polegar direito.

É agora que você vai entender o porquê do título do post. A segunda cachoeira que visitamos foi a do Escorrega, que tem este nome porque, obviamente, ela se parece um grande toboágua, nem tão inclinada mas bem veloz, que termina em uma grande piscina, com profundidade suficiente para uma queda sem sustos. Quem quer descer pelo escorrega tem de subir a pedra pela qual a água desce até o local de sua preferência, entra na água e vai embora. Nada de mais, tudo bem seguro.

Cachoeira do Escorrega (Foto: Wikipedia)

Cachoeira do Escorrega (Foto: Wikipedia)

Eu e a Fê subimos a pedra para conhecermos o lugar e tirarmos umas fotos. Enquanto a Fê se afastava um pouco mais, para explorar o terreno, eu fiquei mais perto da água, só olhando. Em dado momento ela sugeriu que eu visse se a água estava fria. Estiquei a mão para o curso d’água e aí…

O pé esquerdo escorregou e eu caí dentro do rio. Assustado, eu tentava me segurar em alguma coisa, qualquer coisa, para não descer pela cachoeira até a piscina, lá embaixo. Em vão. Durante a descida, que parecia interminável, a incredulidade (“como é que eu caí aqui desse jeito?!”), as tentativas inúteis de parar a queda e o medo de me afogar na água fria da piscina foram reunidas em um único e eloquente pensamento, repetido incessantemente: “fodeu!”

Caí na piscina e, quando voltei à superfície, procurei a margem, meio atordoado e lutando para não seguir rio abaixo. Alcancei uma pedra e consegui ficar de pé, querendo colocar a cabeça no lugar. Foi quando lembrei de uma coisa e gelei: o telefone! O TELEFONE!

O celular e os óculos de sol eram as únicas coisas que eu levava comigo no momento em que eu entrei na água (a carteira e os documentos estavam na bolsa, que havia ficado no quadriciclo). Os óculos caíram do rosto instante em que eu me desequilibrei, e eu os perdi, mas o telefone estava em uma capa impermável presa no pescoço que eu tinha levado exatamente porque tiraríamos fotos em cachoeiras e eu temia que ele caísse nas pedras ou na água em algum momento de distração. Em pânico, olhei para o meu peito e ele estava lá, dentro da capinha; testei e vi que ele funcionava sem problemas. Fiquei tão aliviado que nem liguei quando olhei para cima, de onde tinha vindo, e vi a Fernanda roxa de tanto rir. Não fiquei irritado; minha reação foi rir também, envergonhado. E foi só então que eu percebi um garotinho de uns nove anos me chamando:

– Moço, moço! Foi legal?

Eu achei que era piada e não respondi. Foi só na terceira vez que ele perguntou que eu acabei falando:

– Foi muito legal, a água está boa.

E ele:

– Viu, pai?! Poxa! Deixa eu ir, por favor!!

Nisso a Fê e o guia já tinham chegado, e ele me disse que tinha achado estranho eu ter descido a cachoeira de roupa e tudo. Foi quando eu expliquei que eu não tinha descido, eu tinha escorregado e caído na água, e todos, menos a Fê, que ainda não havia conseguido parar de rir, ficaram me olhando sem acreditar. Eu percebi que eles fizeram essa confusão porque eu estava usando uma camisa dry-fit preta e uma calça de tactel da mesma cor, então todos acharam que eu estava preparado para entrar na água, e que o mergulho fora proposital – só que não. Aí o pai do garotinho entendeu, e começou a rir também. Sacanagem.

Essa história não acabou mal porque eu tive algumas ideias que, no final, deram certo: a primeira foi a escolha das roupas que eu estava usando, que secaram rápido e não me deixaram sentir frio (só as meias, de algodão, ficaram encharcadas, mas foi só tirar, o tênis era de corrida e também escoou a água rápido); a segunda foi ter deixado carteira e documentos na bolsa da Fê, que, por sua vez, ficou presa no quadriciclo; e a terceira, e mais importante, foi colocar o telefone dentro da capinha, que se pagou ali. E se você ainda quer saber, a água nem estava tão fria – deve ter sido a adrenalina do susto.

História de carnaval

No carnaval de 2007 a Unidos de Vila Isabel ficou em sexto lugar na apuração, o que lhe deu o direito de participar do desfile das campeãs, no sábado. A prima da Fê, que havia participado do desfile técnico, não iria para o desfile das campeãs, porque iria viajar, e ofereceu para ela duas fantasias, que ela e o namorado tinham usado, caso ela quisesse ir no desfile das campeãs. A Fê não pensou duas vezes e aceitou na hora; eu também não titubeei e pulei fora daquela encrenca, e assim chamamos a minha irmã para ir ao desfile.

A fantasia era de índio, e era formada por uma saia, um cocar, duas pulseiras, duas tornozeleiras e uma peça enorme nos ombros. Bonita e bem feita, embora exibisse as marcas do uso no desfile técnico. Mas, como era dada, ninguém estava nem aí para isso. Na hora de montar, porém, surgiu um problema: um dos ilhoses da saia tinha arrebentado, e a peça era grande demais para a Fê. Foi preciso dar duas voltas, e usar uma corda de alpinista improvisada como cinto, para que ela coubesse. O segundo problema veio depois de tudo montado, quando percebemos que a peça dos ombros era tão grande (praticamente do tamanho da envergadura da Fê) que ela não cabia no elevador. Foi preciso desmontá-la, mas, para isso, era necessário tirar também o cocar.

Essa brincadeira de montar e desmontar a fantasia levou tempo, e quando percebemos as meninas estavam em cima da hora para o desfile, que seria o primeiro das escolas do Grupo Especial – para quem não sabe, no desfile das campeãs as escolas do Grupo Especial entram em ordem decrescente de classificação, da sexta para a primeira. Peguei as duas, coloquei-as no carro, ajeitamos as fantasias como deu e partimos para o metrô, que era o jeito mais rápido de se chegar à Marquês de Sapucaí. Na época, a estação mais próxima do Leblon era a Cantagalo, e para chegar até lá era necessário passar pela Lagoa, o que, apesar de ser um trajeto curto, não seria rápido, por causa das pessoas na rua. Mas chegamos, e elas foram embora, o que encerrou o meu trabalho. Voltei para a casa da minha sogra e fui acompanhar o desfile pela televisão.

Os eventos que vou contar agora foram relatados pelas próprias protagonistas.

A concentração das escolas é feita na Avenida Presidente Vargas. Para organizar a entrada delas na Marquês de Sapucaí, elas se alternam em dois sentidos opostos: o prédio dos Correios, no sentido Praça da Bandeira, e o “Balança Mas Não Cai“, edifício próximo à Central do Brasil, sentido Candelária. Quando ambas as Fernandas chegaram no Sambódromo, a Vila já estava entrando, mas, como elas vieram da estação do metrô, e a escola estava concentrada para o lado do “Balança”, nenhuma das duas viu que a ala em que elas deveriam desfilar ainda não havia entrado, porque ela estava para lá da entrada da pista e alguém, ao vê-las chegando, gritou “corre”. Assim, elas, correndo por causa do atraso e por causa da ordem que ouviram, entraram na avenida sem nem saber para onde estavam indo.

Um diretor de harmonia da escola gritou tentando chamar as duas para que elas corressem para o lugar certo, mas só a minha irmã ouviu; a Fê continuou correndo como se não houvesse amanhã. Ela teria corrido mais, se a bendita da peça dos ombros não tivesse enganchado em uma baiana que evoluía na concentração, dentro da pista, e com isso ficaram as duas ali, rodando: a baiana fazendo seus passos; a Fê girando em torno dela, como se fosse um satélite em torno de um planeta. A baiana gritava “me solta, menina!”, e a Fê respondia “não posso, estou presa!” Ficaram assim até que as fantasias se soltaram, após o que a Fê voltou a correr, próximo à cerca que separa a pista das arquibancadas. De repente ela tropeçou, e ao olhar para frente percebeu que não havia nada nem ninguém. “Cadê a escola?!”, ela se perguntou, intrigada, sem entender onde estava. Ela até pensou em correr mais, achando que a Vila Isabel estava mais à frente, mas decidiu retornar, porque não via nada até a Apoteose.

Paralelamente, Fernanda, que havia parado quando o diretor de harmonia gritou, viu que a Fê seguiu em frente e entrou em pânico. Afinal, o dinheiro, o celular e o bilhete de volta do metrô dela tinham ficado no bolso da bermuda da Fê, que agora tinha desaparecido no meio de uma escola de samba, durante um desfile, em pleno Sambódromo. O que fazer? Quando e como elas conseguiriam se reencontrar ali, naquela confusão de gente e barulho?

Voltando à Fê, ela se recompôs e entendeu que tinha ultrapassado a escola inteira, e tropeçara em um integrante da Comissão de Frente, que, vestido de macaco, executava sua coreografia normalmente. Preocupada, e ainda um pouco confusa, ela voltou, procurando a Fernanda, até que se assustou com um grito bem ao lado dela: era o puxador de samba, no carro de som. Nisso, um outro diretor de harmonia apareceu, desesperado, perguntando que ela fazia ali, e mandando-a voltar para a ala certa, que a Fê não fazia a mínima ideia de qual era. Ela voltou a andar, procurando quem estaria com fantasias iguais à dela, e por pura sorte, foi vista pela Fernanda, que estava desfilando na borda da ala, na esperança de achar a cunhada. E achou! Tomada de alívio, ela segurou a Fê pelo braço e a puxou para dentro da ala, e só assim ambas conseguiram curtir o desfile.

Confesso que não vi nada disso pela televisão, só fiquei sabendo do ocorrido quando as duas voltaram. Também não consegui encontrar um vídeo disso no Youtube, mas eram outros tempos, esses registros ainda não eram tão comuns. De qualquer maneira, se algum leitor tiver tido a sorte (ou não) de presenciar essa história, por favor, conte ou mande o arquivo para mim! E ainda bem que isso aconteceu no desfile das campeãs – imagina só o furdunço que seria se isso tudo tivesse acontecido no desfile técnico? Ainda bem que eu não morava em Vila Isabel, senão eu teria de sair fugido de lá!

Sobre direção e o mundo

Uma das grandes paixões da minha vida é dirigir. Quando eu era criança ficava horas dentro do Fusca da minha mãe, em pé no banco do motorista, girando o volante para lá e para cá, imaginando viagens mágicas que eu faria, dirigindo sozinho por aí, ou nas corridas emocionantes vencidas depois de uma ultrapassagem ousada na última curva, ou mesmo depois de uma monótona prova liderada de ponta a ponta. Quando saíamos com o carro eu, no colo do meu pai no banco do carona (outros tempos), disputava com a minha irmã, que ia sobre o outro joelho dele (outros tempos mesmo) o “cagão” que ficava no painel, que eu segurava como se fosse meu volante particular, com o qual eu, e não a mamãe, conduzia aquele carrinho para onde eu queria.

O "cagão" (ou "pqp")

O “cagão” (ou “pqp”)

Veio a adolescência e eu aprendi a dirigir, e suspirava esperando o dia em que eu poderia simplesmente entrar no carro, virar a chave e sair por aí, aleatoriamente, com a turma de amigos ou com aquela garota linda que seria minha namorada. Imaginava cenários, diálogos, situações em que eu e o “meu carro” seríamos quase como um só, uma parceria tipo Michael Knight e Kitt, de “a Supermáquina”, ou os Dukes e General Lee, de “os Gatões”. Engraçado que, por mais que a tentação batesse, eu nunca tive coragem de pegar o carro escondido (minha preocupação era que, se eu batesse, eu machucaria o carro). Eu dirigia sem carteira sim, mas nunca sozinho: geralmente minha mãe estava junto (por imposição dela), o que era bom (a preocupação diminuía, porque se acontecesse qualquer coisa teria sido sob a autorização dela), mas também era ruim (dirigir com ela no carona é um horror até hoje). Mas continuava esperando ansiosamente o dia em que finalmente tiraria minha carteira de motorista (que eu carinhosamente chamava de “brevê“) e poderia, enfim, assumir um carro sozinho, ou com quem eu quisesse.

Kitt, a Supermáquina

Kitt, a Supermáquina

General Lee. Aquela bandeira na capota era muito legal

General Lee. Aquela bandeira na capota era muito legal

O dia em que eu recebi minha habilitação foi o dia mais feliz da minha vida até então. Na época a desorganização e a corrupção no Detran podiam fazer com que o processo de primeira habilitação levasse mais de um ano, mas por obra e graça do namorado da mamãe na época, que tinha suas conexões no órgão, eu levei “só” seis meses para consegui-la. Era o dia 20 de maio de 1994, uma sexta feira, e eu devo ter ficado uns dez minutos contemplando aquele pedaço de papel com o meu nome (na época o modelo não tinha nem foto) com um sorriso bobo na cara. A primeira coisa que fiz foi pegar o carro e sair; rodei, rodei até voltar para casa. No dia seguinte, reuni três amigos (o Takahito e o Betinho, que têm comentado aqui bastante até, para minha alegria, e o Cesar) e fomos para Grumari. Quanto mais longe fosse, melhor. Por mim, inclusive, deixava eles lá na praia e voltava mais tarde para buscá-los, porque só que me interessava era dirigir.

Minha primeira carteira de motorista era assim

Minha primeira carteira de motorista era assim

O tempo passou, foram poucos acidentes e nenhum machucado, até hoje (que continue assim). Nestes 22 anos em que eu dirijo (considerando o período com e sem carteira), sei lá quantos milhões de quilômetros eu já devo ter percorrido, no Brasil e fora dele, mas dá pra fazer aquelas estatísticas do tipo “30 idas e voltas até a Lua”. Já dirigi carros de todos os tipos e tamanhos (moto ainda não, Takahito, estou esperando JG crescer mais), em vários lugares maravilhosos, como as estradas da Califórnia ou a inesquecível SP-1, entre a França e a Itália, feitas para quem sabe e gosta de dirigir, e vejo cheio de orgulho meu filhote partilhar da mesma paixão por carros que eu (a ponto de ele fazer malcriação porque “quer dirigir”). Só que o mundo hoje é outro.

Hoje os automóveis são vistos como vilões do aquecimento global, e não despertam mais paixões. Paradoxalmente, há cada vez mais carros nas ruas, que não se transformam para receber uma frota tão grande e simplesmente entopem. As pessoas dirigem cada vez pior e um simples passeio frequentemente se transforma em uma experiência estafante e até perigosa. As barbaridades nas ruas se multiplicam, os episódios de violência – às vezes gratuita – idem, os engarrafamentos não têm fim e o anda-e-para está cada dia menos suportável, não há mais lugar para se estacionar, os estacionamentos estão cada vez mais caros. Às vezes não dá vontade nem de sair de casa, porque eu já sei que vou levar horas para andar um trecho curto.

Pensei nisso enquanto estava parado no trânsito, cansado, irritado e frustrado, tentando sair do Rio para uma viagenzinha de fim de semana. Levei mais de duas horas entre Copacabana e Nova Iguaçu, sem chegar a engatar a terceira marcha. Só não desisti e voltei para casa porque levaria outro tanto para voltar; era melhor seguir em frente.

Dirigir, hoje, virou um martírio. O mundo, cada dia mais chato e complicado, está acabando com a minha diversão.

Detona Ralph

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Levamos João Guilherme ao cinema. Não foi a primeira vez dele, que já viu “Madagascar 3”, “A Era do Gelo 4” e “A Origem dos Guardiões”, além das sessões do Cinematerna que a Fê ia quando ele ainda era bebê, mas foi a primeira vez em que eu fui junto. Então, na verdade, era eu quem estava cheio de expectativa.

O filme escolhido foi “Detona Ralph”, em 3D, e não nos arrependemos. É um filme divertido e cativante tanto para adultos quanto para crianças. A história é a seguinte: Ralph é o vilão do game de fliperama “Conserta, Felix Jr.”, no qual o herói, que dá nome ao jogo, tem de consertar o edifício onde pacatos moradores vivem tranquilamente, mas que é sempre destruído pelo protagonista do filme. Felix tem de consertar o prédio antes de Ralph destruí-lo por completo, e quando isso acontece os moradores jogam Ralph na lama, o jogo acaba e todos ficam felizes – exceto, é claro, o Ralph.

Acontece que Ralph, um dia, começa a questionar não só seu papel no jogo como sua prórpia existência: por que ele é sempre o vilão e sempre se dá mal, enquanto o Felix sempre se dá bem? Por que todos amam Felix e ninguém liga pra ele? Por que Felix tem um monte de amigos que o bajulam e ele mora sozinho em um lixão?

Essas questões são discutidas no encontro anual dos vilões de games, que acontece na época em que “Conserta, Felix Jr.” está completando 30 anos. Em uma mesa redonda antológica integrada, dentre outros, por Zangief e M. Bison (Street Fignter), um zumbi e Eggman (Sonic), coordenada pelo fantasma de Pac Man, Ralph diz que decidiu não ser mais mau, para desespero dos presentes. Mais: ao perceber que foi excluído da festa de comemoração de seu próprio jogo, ele, magoado e despeitado, decide mostrar para todos que pode, sim, ser um herói.

A busca de Ralph por reconhecimento e por seu “verdadeiro lugar” o leva a passar de um game para outro, até que ele encontra Vanellope, um bug de um game de corridas para meninas, que, por isso, é sempre impedida de participar do jogo. Vanellope sofre com os mesmos problemas de Ralph – sente-se excluída e deslocada, não consegue se aceitar como é e busca um novo papel para sua vida – o que leva a uma inevitável identificação mútua, e ao início de uma amizade intensa entre eles.

Neste meio tempo, Felix percebe que, sem Ralph, o jogo em que vive será desativado e, assim, ele e os demais integrantes estarão condenados ao abandono e à mendicância digital, e assim parte em busca de Ralph para a sua própria salvação. Todos esses elementos são consturados com muita habilidade e criatividade, criando uma trama agitada, inteligente e muito divertida, até o final feliz.

Apesar de a temática ser predominantemente adulta – autoquestionamento e as dificuldades de autoaceitação, a sensação de não fazer parte de um grupo social e a busca por seu lugar na sociedade – o filme é diversão também para as crianças, graças aos personagens fofinhos e ao universo agitado e colorido dos games. Vanellope é tão irritante que chega a ser engraçadinha, e mascara com sua agitação e atitude sua intensa solidão e segregação. Pessoas mais sensíveis podem se emocionar. E, para quem gosta de games, o filme é uma verdadeira ode aos games e aos fliperamas antigos.

João Guilherme adorou o filme. Viu tudo, com e sem os óculos 3D – podiam fazer uma versão para crianças, os normais ficam enormes no rostinho dele – riu bastante e, na saída, ao ver o cartaz do filme, falou, orgulhoso:

– Detona Ralph, pai! Eu vi com você e com a minha mãe! Muito legal!

Monza!

Distante 198 quilômetros de Maranello pela E35, Monza é uma cidade localizada na “grande Milão”, de 33 quilômetros quadrados onde se espalham 122 mil habitantes. É uma cidade linda, luxuosa e sofisticada, sobre a qual falaremos oportunamente.

Monza

Esses predicados inspiraram a Chevrolet do Brasil a batizar com o nome da cidade o sedá médio que ela fabricou entre 1982 e 1995 com sucesso – chegou a ser o carro mais vendido do país em 1985 e 1986 -, que foi meu objeto de consumo por vários anos. Ainda pretendo comprar um, SL/E, 89/90, quatro portas, vinho.

Monza

Mas o que colocou a cidade de Monza no mapa, e faz com que ela seja lembrada todo ano, no início de setembro, é a pista de corridas construída em 1922 para sediar o Grande Prêmio da Itália e que, posteriormente, se tornou a sede do GP da Itália de Fórmula 1: o Autodromo Nazionale Monza. Seus 90 anos de idade o tornam o segundo autódromo mais antigo ainda em atividade no mundo, atrás apenas do oval de Indianápolis, nos Estados Unidos, inaugurado em 1911.

Monza!

O autódromo de Monza, como a maioria dos autódromos construídos na Europa entre os anos 20 e 30, foi feito para a velocidade, para desafiar a coragem de pilotos que dirigiam carros que chegavam a 300 quilômetros por hora sem cintos de segurança ou capacetes. Ainda é, hoje, o circuito mais veloz da temporada de Fórmula 1, e lá os carros costumam atingir as maiores velocidades máxima e média do ano, graças seu traçado extremamente simples, que permite aceleração plena em praticamente 70% da volta: em 2005, Juan Pablo Montoya, de McLaren-Mercedes, alcançou 369 km/h na reta dos boxes durante os treinos oficiais para o GP da Itália, ou seja, é fé em Deus e pé na tábua o tempo todo.

Essa pista tão antiga e veloz consagrou muita gente, como Emerson Fittipaldi, que conquistou seu primeiro campeonato mundial lá, em 1972, mas também matou muitos pilotos, como Jochen Rindt, que se sagrou campeão mundial póstumo em 1970, ou Ronnie Peterson, em um dos acidentes mais pavorosos que a categoria já viu, na largada do GP de 1978.

No entanto, é interessante notar que o traçado original de Monza foi relativamente pouco alterado com passar dos anos, à exceção de algumas curvas, como as duas de Lesmo, que tiveram os raios encurtados, e da instalação das chicanes, como a da reta dos boxes e a Variante Ascari, de modo a reduzir um pouco a velocidade média da volta, que já chegou a superar 250 km/h – a corrida de 2012, vencida por Lewis Hamilton, teve média de 230,944 km/h, o que já é muita coisa.

O grande destaque de Monza, porém, aquilo que a tornava diferente dos outros autódromos, e realmente desafiadora para carros e pilotos, era o oval interno, que pode ser visto no mapa abaixo, utilizado até 1956, mas, apesar de desativado, foi preservado. Esse oval era formado por duas retas paralelas, uma das quais a atual reta dos boxes, e duas curvas parabólicas, com aproximadamente 20 metros de largura e inclinadas em 30 graus em relação ao solo. Essas curvas são cultuadas até hoje por quem gosta de automobilismo.

O traçado completo de Monza

Para facilitar a visualização, até 1956 a volta em Monza era feita assim: a largada era na parte da esquerda reta dos boxes atual, que era dividida por cones em três, incluindo o pitlane; não havia a chicane que existe no final da reta, e contornava-se a grande curva, antes da pequena reta que levava às duas curvas de Lesmo, à direita. Em seguida vêm a reta “entortada” pela “Curva del Serraglio” e a reta oposta à esquerda – sem a Variante Ascari, que foi construída depois. Contornava-se, então, a Parabólica interna, à direita, e chegava-se à reta dos boxes de novo, mas pela pista da direita. Aí começava o oval, com a Parabólica Norte, a grande reta e a Parabólica Sul, que levava à reta dos boxes pelo lado esquerdo. Quer dizer, em uma mesma volta os pilotos cortavam a reta dos boxes três vezes. O vídeo abaixo, da última corrida no circuito completo, dá uma ideia de como era, e mostra bem como se percorria as duas curvas.

Eu incluí Monza no roteiro da nossa viagem com dois objetivos. Um: ver a Parabólica, hoje chamada de “Velha Parabólica”; dois: dar uma volta de carro pela pista. A segunda eu não consegui, porque naquele domingo estava sendo realizada uma prova de endurance (longa duração) para carros clássicos – um espetáclo à parte, com diversos modelos diferentes, turismo, fórmula e protótipos, todos com mais de 30 anos de idade, andando juntos -, então estacionei e fui atrás da Parabólica.

Depois de me orientar com um funcionário do autódromo, pegamos um caminho que cruzava o bosque a partir da reta oposta. É uma bela caminhada e, à medida em que se afasta da pista, o silêncio predomina. Depois de andar aproximadamente um quilômetro, chegamos à reta oposta do oval, e dali podíamos ir para a Parabólica Norte, à esquerda, ou a Parabólica Sul, à direita. Fomos para a Sul, em direção à reta dos boxes, seguindo o sentido horário do circuito.

Muitas pessoas vão correr, andar de bicicleta e ver corrida de submarino naquela parte desativada do autódromo, e ao que parece não passa um automóvel por ali há alguns anos. O silêncio é tão grande que quase dá para ouvir carros como Ferrari, Maserati, Auto Union e Mercedes passando enlouquecidos por ali nas corridas de 60, 70 anos atrás, com Tazio Nuvolari, Bernd Rosemeyer, Rudolph Caracciola, Alberto Ascari, Juan Manuel Fangio, Stirling Moss e tantos outros pilotando. O cenário é lúgubre, soturno, de uma beleza melancólica sem igual: o concreto da pista intacto, o mato que invade a pista, os totens de fiscalização e controle das corridas, os pássaros cantando, algumas árvores caídas sobre a pista, desenhos no chão feitos por torcedores e turistas, o sol penetrando pela grossa camada de árvores.

O início da Parabólica Sul, ao fundo

Da reta oposta é possível ver ambas as Parabólicas à distância, e sua característica mais marcante: a inclinação em 30 graus, que aumentava o downforce dos carros em uma época em que não havia aerofólios, asas móveis ou efeito solo, tanto que há uma faixa branca que divide a curva em duas partes, a “de cima” para quem está mandando ver e a “de baixo” para quem estava mais lento. À medida em que se percorre a curva a inclinação aumenta e, consequentemente, a altura da pista, que se transforma em uma verdadeira parede. Ela é tão inclinada e alta que é necessário se apoiar nas mãos para chegar ao topo da curva; mesmo caminhar por ela é difícil. Impressionante.

A impressionante Parabólica

Não é efeito especial: essa é a Fê vista do topo da Parabólica!

Mais uma amostra da inclinação da Parabólica

No final da curva, já na entrada da reta dos boxes, há uma cerca de metal, que impede que espertinhos tentem trafegar com seus carros por ali e, assim, evita acidentes. Como não adianta nem tentar pular a cerca para entrar na pista atual, tivemos de voltar tudo de novo, o que dobrou a emoção da visita.

De volta ao circuito, a corrida de endurance já tinha acabado, mas não era possível mesmo dirigir lá dentro. Então fui conhecer as instalações. Entrei nas arquibancadas e fui à sala de imprensa, que é ampla e confortável. Tentei chegar ao pódio, mas fui impedido por funcionários. Mas eu já tinha conseguido quase tudo o que eu queria, estava muito bom. Ter dirigido uma Ferrari e conhecido a Parabólica de Monza já havia sido bastante para me deixar com um enorme sorriso bobo na cara…

Herói, ídolo, monstro

Alessandro Zanardi foi um piloto de corridas que estreou na Fórmula 1 em 1991, pela extinta Jordan, substituindo Michael Schumacher, que por sua vez substituiu Bertrand Gachot, piloto titular do time, que havia sido preso em Londres por borrifar spray de pimenta em um taxista durante uma briga de trânsito. Depois disso correu pela Minardi e pela antiga Lotus (não a atual, mas sim a Lotus original, que estava em seus estertores). Nunca conseguiu nada de relevante na F1, por isso foi para os Estados Unidos, correr na CART (ex-Fórmula Indy). Lá, foi campeão em 1997 e 1998, o que lhe rendeu um convite para voltar à Europa em 1999, para correr na Williams ao lado de Ralf Schumacher.

A volta à Fórmula 1 foi outro fracasso, pois a Williams não era mais o time campeão que fora até 1997, e por isso, no final de 2000, Zanardi resolveu voltar para os EUA, para tentar reviver os bons momentos na Champ Car (ex-CART), mas as coisas não saíram bem como planejado. Correndo em uma equipe mediana (Mo Nunn), Zanardi não conseguiu resultados expressivos e, em uma corrida realizada no oval de Lausitz, na Alemanha, em 2001, ele sofreu um acidente horroroso que provocou a amputação de suas duas pernas, e não o matou por muito pouco. O vídeo está aqui:

Para assombro de muita gente (meu, inclusive), porém, Zanardi voltou a pilotar, dessa vez no WTCC, o Campeonato Mundial de Carros de Turismo, pela BMW, usando um carro adaptado. Se isso já não fosse bastante, ele ainda chegou a vencer corridas até decidir encerrar a carreira, em 2009, época em que já estava experimentando o paraciclismo, em que as bicicletas são movidas por manetes. Os resultados vieram rápido, e ele chegou a vencer a maratona de Roma de 2012. Isso tudo já é bem impressionante.

Pois na última quarta feira, dia 5, Alessandro Zanardi, italiano, 45 anos de idade, biamputado, ex-piloto de automóvel, paraciclista, tornou-se campeão paralímpico da prova contra relógio, categoria H4, com o tempo de 24m50s22. Curiosamente, a prova foi disputada no autódromo de Brands Hatch, perto de Londres, um dos mais tradicionais do mundo.

Superação e vontade de viver são pouco perto disso. Zanardi é um herói. Mais que isso, é um monstro. Que sirva de exemplo para todos nós. Eu o saúdo.

Salvem Nürburgring!

Um dos meus grandes sonhos de infância é dirigir no autódromo de Nürburgring, na Alemanha, que fica na cidade de Nürburg, perto de Frankfurt e Colônia. Mas não a pista onde normalmente se realiza o Grande Prêmio da Alemanha de Fórmula 1 (em revezamento com Hockenheim desde 2008), mas sim o Nordshleife, um monstro de 22 quilômetros de extensão cercado por uma floresta muito densa, muito apropriadamente chamado por Jackie Stewart de “Inferno Verde”. Essa pista sediou o Grand Prix da Alemanha no pré II Guerra (antes da criação da Fórmula 1) e, depois, o GP da Alemanha de F1 por muitos anos, até o acidente de Niki Lauda em 1976, quando ele quase morreu. A partir do ano seguinte a corrida passou a ser disputada em Hockenheim, um circuito menor, onde teoricamente seria mais fácil para as equipes de restage chegar até o local de um acidente.

Nordshleife. A parte apagada, no canto inferior esquerdo, é o circuito onde hoje se disputa o GP da Alemanha de F1

Curiosamente, ao contrário do que muita gente afirma, a alteração não foi causada pelo acidente: ela já havia sido decidida bem antes dele. A quase tragédia serviu mais como um “viu só, não falei que era pra mudar?”, uma confirmação de que a decisão era correta. Porém, ainda hoje Nordshleife é utilizada em competições oficiais, como os 1.000 km de Nürburgring na categoria GT, além de servir de local de testes para várias montadoras de carro mundo afora.

Em Nürburging também é possível a qualquer pessoa dar voltas pela pista usando o próprio carro, por sua conta e risco, mediante pagamento por um número determinado de voltas. Veja só que incrível deve ser, então, dirigir em uma das pistas mais famosas, antigas e perigosas do mundo!

Só que acho que esse sonho vai ficar sendo apenas isso mesmo, um sonho. Ontem correu a notícia de que a empresa que administra o autódromo pediu falência, e não só a realização do GP da Alemanha de 2013 (que seria realizado lá; o deste ano, que acontece neste fim de semana, vai ser organizado por Hockenheim) está sob risco como a própria existência do autódromo é incerta.

Torço muito para que alguém assuma a administração do autódromo, um dos maiores monumentos automobilísticos do Mundo, junto com Monza e Indianápolis, e que ele não seja fechado, desativado ou destruído. Se eu pudesse, pegava o primeiro avião para lá só para dar a minha tão fantasiada voltinha naquela pista.

Monte Carlo é jóia!

O principado de Mônaco é um microestado (um dos 6 da Europa e dos 25 espalhados pelo mundo) fundado em 1297 pela família Grimaldi, que o governa até hoje, e teve sua soberania reconhecida em 1489. Fica a apenas vinte quilômetros da cidade de Nice, no sul da França, em plena Côte d’Azur, a Riviera Francesa, encravado entre o Mar Mediterrâneo e os Alpes Marítimos, pertinho da fronteira da França com a Itália, e é mundialmente famoso pelo Grande Prêmio realizado desde 1929, que passou a integrar regularmente o calendário do Campeonato Mundial de Fórmula 1 em 1955, além de ser um conhecido paraíso fiscal, porque seus moradores não pagam imposto de renda. Por isso, muitas pessoas ofensivamente ricas escolheram o principado como domicílio. Nada mais apropriado, portanto, que esta fosse a primeira parada da nossa viagem, no domingo, dia do Grande Prêmio de Fórmula 1. Fomos para lá direto do aeroporto, porque era parte do planejamento pegar a “xepa” da corrida, acompanhar o burburinho do público presente e ver o “after party” do lugar.

Monte Carlo

Além da área onde é realizada a corrida, pouca coisa há para se ver em Mônaco, em grande parte por causa de seu tamanho, dois quilômetros quadrados, só maior do que o Vaticano. Há o palácio real, onde está enterrada Grace Kelly, mas isso sinceramente não me atraiu – meu interesse era a corrida e o ambiente que a cerca, mesmo depois que ela acaba, e o desfile de carros esportivos e de alto luxo que eu sabia que só veria lá.

Chegamos aproximadamente às sete da noite, três horas depois do final da corrida, mas ainda era claro (nessa época do ano anoitece depois das nove horas). Por se tratar de uma prova disputada em circuito de rua, era natural esperar um caos no trânsito, porque o circuito, de 3.340 metros de extensão, ocupa as principais ruas do principado, em especial a área da marina, onde ficam atracados alguns dos maiores, mais bonitos e mais escandalosamente caros iates que eu já vi.

A marina, à noitinha

Só que, ao contrário do que eu imaginava, o trânsito não só já tinha sido liberado em grande parte do circuito como também fluía relativamente bem – a lentidão era mais por causa da curiosidade dos turistas que tiravam fotos e mais fotos dos caminhões das equipes, de carros desmontados e peças que estavam espalhados pela área do paddock, da linha de chegada e de outros pontos importantes da pista, como as curvas Loews e Mirabeau e o túnel. O tráfego só estava interrompido mesmo entre o final do túnel e a curva La Rascasse, onde estava rolando uma bela festa ao ar livre, com música eletrônica e muito álcool com energético. Mesmo assim, não foi difícil estacionar o carro, porque Mônaco (e, como descobri depois, quase todas as cidades da Riviera Francesa) tem vários estacionamentos subterrâneos, e assim fomos dar uma volta a pé pelo circuito e, ao mesmo tempo, conhecer o lugar.

A saída do túnel

Começamos nossa volta pela curva da entrada do túnel, a Portier, onde a pista passa por baixo do Hotel Fairmont Monte Carlo, e a primeira constatação é que chega a ser uma irresponsabilidade realizar uma corrida de Fórmula 1 em ruas tão estreitas. A saída do túnel, uma descida, é o ponto da pista onde se alcança a maior velocidade, o “speed trap”, e na “vida real” é uma rua de mão dupla.

Logo após a descida da saída do túnel vem uma chicane que é muito mais apertada do que aparenta na televisão, e uma reta curta que leva para a área da marina e da Piscina. Na verdade, a marina começa já na chicane da saída do túnel, e com ela vem o que mais me chamou a atenção em Mônaco: a sucessão de iates absurdamente luxuosos, cada um deles promovendo a sua festa, devidamente paramentada com seguranças e recepcionistas com listas de convidados. Alguns ofereciam mimos como pantufas personalizadas ou havaianas com cristais svarovsky (porque você não pode subir no iate calçando qualquer sapato). Os convidados eram outra atração, cada um tentando aparecer de uma forma: através da roupa, do cabelo, do cachorro, da roupa do cachorro…

La Rascasse

A linha de chegada

Depois da Marina vêm as curvas Tabac e da Piscina, que levam à La Rascasse, que leva esse nome por causa de um hotel-bar que fica bem na curva que leva aos boxes e à “reta” de chegada. Era nesse trecho que o bicho estava pegando de verdade, com uma festa que estava bombando, e até ficamos por ali um pouco, para depois continuarmos em direção à linha de chegada, por onde já tínhamos passado de carro (sem querer) na chegada a Monte Carlo.

Passamos pela Sainte Devote, a primeira curva da pista, e subimos a Beau Rivage, que é íngreme mesmo, e tão estreita que assusta, até chegarmos ao Casino, que exige “indumentária apropriada” para entrar e apostas mínimas de 10 euros. Declinei. Seguimos para a descida da Mirabeau, Loews, curva 7 e voltamos à Portier, para fechar a nossa volta. E durante todo esse tempo presenciamos um desfile infinito de Ferraris, Porsches, Lamborghinis, Bentleys, Rolls-Royces, Aston Martins, Jaguares… tem até uma concessionária da McLaren! só faltou um Bugatti Veyron pra completar a festa. As Ferraris, aliás, eram um capítulo à parte: eram tantas ao mesmo tempo que estavam quase ficando banais.

Concessionária Ferrari: baixou o IPI!

O Hôtel de Paris, em frente ao Cassino

Quando fechamos a nossa volta, as zebras de borracha e as barreiras de pneus já haviam sido retiradas, e o trânsito estava praticamente normalizado, tirando a área da festa na Rascasse. Voltamos e fomos jantar em um bar na Beau Rivage, literalmente olhando a moda, acompanhando o trânsito de pessoas entre o Casino, o Hotel Fairmont e a marina, enquanto eu imaginava que a crise econômica europeia passou bem longe de Monte Carlo.

O doido vazou

Pode ser irrelevante para muita gente, mas para quem, como eu e o Leandro, que curtimos Fórmula 1, especialmente a Fórmula 1 “moleque”, “arte”, “de amor à camisa” – refiro-me essencialmente aos anos 70, 80 e início dos 90, é importante lembrar que ontem, dia 09 de maio, completaram-se 30 anos da morte do canadense Gilles Villeneuve, um dos pilotos mais pirados que a categoria já conheceu.

Pra quem se liga muito em números e estatísticas, a carreira dele nunca foi lá grande coisa: em 67 corridas disputadas entre 1977 e 1982, fez 2 poles, ganhou seis vezes e foi vice campeão do mundo em 1979, fazendo dobradinha com Jody Scheckter no último título de pilotos antes do jejum que a Ferrari ia enfrentar até 2000, quando o Schumacher tirou o time da fila. Dessas corridas, a primeira foi disputada pela McLaren, e as demais pela Ferrari, equipe que praticamente personificou, tendo desenvolvido uma relação quase paternal com o Comendador Enzo Ferrari, fundador e dono do time.

Arrojado é pouco pra descrever o estilo de pilotagem de Villeneuve. Ele era maluco. Não ultrapassava onde podia, ultrapassava onde dava. E onde não dava era ainda mais legal. Ele passava com um carro a 60 km/honde eu não passaria com uma bicicleta a 20 km/h. Errava muito também, e isso lhe custou várias corridas, mas mesmo nos erros ele era espetacular. Paradoxalmente, fora do carro ele era pacato e discreto, totalmente avesso à badalação do paddock.

Villeneuve morreu aos 32 anos, devido às lesões causadas pelo acidente que sofreu durante os treinos classificatórios para o GP da Bélgica, em Zolder. A roda dianteira esquerda bateu na roda traseira direita de Jochen Mass, da March, e o carro decolou, capotando várias vezes. Gilles foi arremesado do carro, preso ao banco, contra o alambrado, e não resistiu.

Villeneuve morreu em crise de relacionamento com a Ferrari. Na corrida anterior ao GP da Bélgica, o GP de San Marino, seu companheiro de equipe, Didier Pironi (que também sofreu sério acidente no mesmo ano, em Hockenheim, e encerrou a carreira na F-1) havia desobedecido uma ordem de equipe que favoreceria Gilles (nada parecido com o “Fernando is faster than you”, eram outros tempos) e já se especulava que ele deixaria a equipe para correr na Williams (que faria Keke Rosberg campeão do mundo naquele ano) em 1983. Curiosamente, 15 anos depois, em 1997, seu filho Jacques sagrou-se campeão do mundo com uma Williams, derrotando Michael Schumacher com uma Ferrari.

Há vídeos aos montes no Youtube mostrando as doideiras de Villeneuve para quem quiser ver. Eu separei um que mostra a, na minha opinião, mais enlouquecida e famosa perseguição da história da Fórmula 1: as voltas finais do GP da França de 1979, disputado em 1º de julho daquele ano no circuito de Dijon-Prenois, em que Villeneuve e René Arnoux, da Renault, se engalfinham pelo segundo lugar na corrida, vencida por Jean-Pierra Jabouille, também da Renault. Tudo no maior fair play! Uma aula de pilotagem que deveria ser seguida pelos pilotos de hoje.

Sallut Gilles!

Prêmio de consolação

A cagada monumental do J. R. Hildeband nas 500 Milhas de Indianápolis não ficaram tão mal, afinal. Mesmo tendo cruzado a linha de chegada com o carro destruído e o orgulho destroçado, ele recebeu um milhão de dólares pela segunda posição na corrida.

O problema é que o vencedor, que teria sido ele, não fosse a barbeiragem do século, ganhou, de lambuja, US$ 2,5 milhões.

Ou seja, a merda que ele fez custou um milhão e quinhentos mil dólares, 50% a mais do que a quantia que ele recebeu pela segunda colocação.

Porra, Hildebrand! Não é possível! Se você me aparecer por aqui eu te cubro de porrada!