O desenho mais famoso do Pica Pau é “Pica Pau Desce as Cataratas”, em que o protagonista resolve que vai descer as Cataratas do Niágara, que separam os Estados Unidos do Canadá, dentro de um barril, para desespero do guarda florestal responsável por impedir que qualquer um tentasse repetir a aventura. Hoje isso não faz muito sentido, mas houve época em que se atirar de uma cachoeira de 52 metros de altura dentro de um barril de madeira foi um esporte radical muito popular.
O mais engraçado do desenho era que sempre que o guarda tentava impedir o Pica Pau de entrar na água, era ele próprio quem acabava, acidentalmente, descendo a cachoeira em um barril, para delírio da multidão, e os gritos de “marche!” que o mesmo guarda dava em uma tentativa de voltar à cachoeira, em uma quase volta ao mundo em todos os meios de transporte possíveis para, mais uma vez tentar, impedir o Pica Pau de se jogar queda d’água abaixo.
Nessas férias eu fui com a Fê a Maringá, uma vilazinha que fica nos arredores de Visconde de Mauá, assim como Maromba. Visconde de Mauá é um distrito do município de Resende, mas em vários pontos não se tem muita certeza sobre se estamos também nos municípios de Itatiaia ou Bocaina de Minas, já em Minas Gerais. É um destino muito procurado nos meses de inverno e, apesar de já ter sido o vilarejo preferido por quem queria fazer um acampamento roots, praticamente sem contato urbano (por causa, principalmente, da dificuldade de acesso), hippies e por aqueles que queriam curtir um baseado sem maiores preocupações, hoje a região conta com uma estrada asfaltada e em boas condições, várias pousadas confortáveis e restaurantes bastante interessantes.
Outra atração da região são as cachoeiras, que são várias. Há muitas agências de turismo que alugam quadriciclos, motos ou bugres, e oferecem guias para que os visitantes possam conhecê-las, em roteiros mais ou menos extensos. Sempre é possível, também, fazer tudo a pé, mas isso requer muita disposição. Por isso, é mais comum que Mauá e arredores seja visitada por casais sem filhos, que querem descansar e namorar, ou com filhos um pouco mais crescidos, para encarar os roteiros de cachoeiras.
Eu e Fê resolvemos fazer um roteiro curto, que duraria uma tarde e nos levaria a quatro cachoeiras: Véu da Noiva, Poção, Escorrega e Paiol. Alugamos um quadricilclo e um guia nos conduziu pelas ruas da região, que são de terra, mas não chovia havia pouco tempo, elas nem estavam enlameadas nem soltavam muito pó, o que é ótimo quando você não está protegido dentro de um carro. Percebi que o quadriciclo é perfeito para a região: não há preocupação em cair e o tamanho pequeno o torna mais fácil de manobrar que um carro. Estranho mesmo é acelerar com o polegar direito.
É agora que você vai entender o porquê do título do post. A segunda cachoeira que visitamos foi a do Escorrega, que tem este nome porque, obviamente, ela se parece um grande toboágua, nem tão inclinada mas bem veloz, que termina em uma grande piscina, com profundidade suficiente para uma queda sem sustos. Quem quer descer pelo escorrega tem de subir a pedra pela qual a água desce até o local de sua preferência, entra na água e vai embora. Nada de mais, tudo bem seguro.
Eu e a Fê subimos a pedra para conhecermos o lugar e tirarmos umas fotos. Enquanto a Fê se afastava um pouco mais, para explorar o terreno, eu fiquei mais perto da água, só olhando. Em dado momento ela sugeriu que eu visse se a água estava fria. Estiquei a mão para o curso d’água e aí…
O pé esquerdo escorregou e eu caí dentro do rio. Assustado, eu tentava me segurar em alguma coisa, qualquer coisa, para não descer pela cachoeira até a piscina, lá embaixo. Em vão. Durante a descida, que parecia interminável, a incredulidade (“como é que eu caí aqui desse jeito?!”), as tentativas inúteis de parar a queda e o medo de me afogar na água fria da piscina foram reunidas em um único e eloquente pensamento, repetido incessantemente: “fodeu!”
Caí na piscina e, quando voltei à superfície, procurei a margem, meio atordoado e lutando para não seguir rio abaixo. Alcancei uma pedra e consegui ficar de pé, querendo colocar a cabeça no lugar. Foi quando lembrei de uma coisa e gelei: o telefone! O TELEFONE!
O celular e os óculos de sol eram as únicas coisas que eu levava comigo no momento em que eu entrei na água (a carteira e os documentos estavam na bolsa, que havia ficado no quadriciclo). Os óculos caíram do rosto instante em que eu me desequilibrei, e eu os perdi, mas o telefone estava em uma capa impermável presa no pescoço que eu tinha levado exatamente porque tiraríamos fotos em cachoeiras e eu temia que ele caísse nas pedras ou na água em algum momento de distração. Em pânico, olhei para o meu peito e ele estava lá, dentro da capinha; testei e vi que ele funcionava sem problemas. Fiquei tão aliviado que nem liguei quando olhei para cima, de onde tinha vindo, e vi a Fernanda roxa de tanto rir. Não fiquei irritado; minha reação foi rir também, envergonhado. E foi só então que eu percebi um garotinho de uns nove anos me chamando:
– Moço, moço! Foi legal?
Eu achei que era piada e não respondi. Foi só na terceira vez que ele perguntou que eu acabei falando:
– Foi muito legal, a água está boa.
E ele:
– Viu, pai?! Poxa! Deixa eu ir, por favor!!
Nisso a Fê e o guia já tinham chegado, e ele me disse que tinha achado estranho eu ter descido a cachoeira de roupa e tudo. Foi quando eu expliquei que eu não tinha descido, eu tinha escorregado e caído na água, e todos, menos a Fê, que ainda não havia conseguido parar de rir, ficaram me olhando sem acreditar. Eu percebi que eles fizeram essa confusão porque eu estava usando uma camisa dry-fit preta e uma calça de tactel da mesma cor, então todos acharam que eu estava preparado para entrar na água, e que o mergulho fora proposital – só que não. Aí o pai do garotinho entendeu, e começou a rir também. Sacanagem.
Essa história não acabou mal porque eu tive algumas ideias que, no final, deram certo: a primeira foi a escolha das roupas que eu estava usando, que secaram rápido e não me deixaram sentir frio (só as meias, de algodão, ficaram encharcadas, mas foi só tirar, o tênis era de corrida e também escoou a água rápido); a segunda foi ter deixado carteira e documentos na bolsa da Fê, que, por sua vez, ficou presa no quadriciclo; e a terceira, e mais importante, foi colocar o telefone dentro da capinha, que se pagou ali. E se você ainda quer saber, a água nem estava tão fria – deve ter sido a adrenalina do susto.