Uma pândega, essa vida.
João Guilherme foi selecionado para participar de um torneio de futebol no clube, eba, legal! Na categoria dele, para crianças entre 6 e 8 anos, os oito times representam participantes do Campeonato Carioca – Vasco, Flamengo Botafogo, Fluminense, América, Olaria, Bangu e Madureira (os quatro times menores variam de ano para ano; ano passado, por exemplo, havia o Boa Vista no lugar do Olaria) – e as crianças são distribuídas por sorteio.
Agora adivinhem para qual time o João foi sorteado?
Pois é. Ele mesmo.
O Clube de Regatas do Flamengo.
Foi a Fê que me contou, com cuidado para não me deixar aborrecido (“HAHAHAHA O JOÃO FOI SORTEADO PRO FLAMENGO HAHAHA AGORA GUENTA VAI TER DE VER ELE COM UNIFORME DO FLAMENGO O ANO TODO HAHAHA”), pensei que se um dia chover Xuxa, cai um Pelé no meu colo (os mais novos não conhecem esta expressão, que quer dizer que alguem é tão azarado que mesmo no dia em que a sorte sorrir para todo mundo ele vai se dar mal). Nem perguntei se era brincadeira porque, como todo mundo sabe, ela não tem senso de humor. E ainda tive de contar a novidade para o João, vascaíno desde criancinha, que nem o pai.
Fui contar e, claro, ele ficou decepcionado porque tinha certeza, na fantasia infantil dele, que seria sorteado para o Vasco. Mas expliquei que não havia motivo para ele ficar chateado: falei para ele que jogadores de futebol não têm time e que o torneio era uma grande brincadeira, onde ele vai fazer amigos e se divertir muito. Falei também que há outros não flamenguistas no time e que ele jogar no Flamengo no torneio do clube não significa que ele não pode continuar torcendo para o Vasco, porque a rivalidade dos times não pode afetar a cabecinha dele. Afinal de contas, qual o problema em jogar no Flamengo?
Não sei se adiantou muito não. Olha só a cara de empolgação dele com o uniforme do Flamengo, mesmo eu tendo dito que era de mentirinha, só para jogar no clube.
Mas foi uma conversa muito importante. Há muito tempo que a rivalidade entre times de futebol, no Rio ou fora dele, ultrapassou as fronteiras do esporte e se tornou algo pessoal. Se é verdade que em quase tudo hoje o pensamento dominante é que se alguém não concorda com outrem, está necessariamente contra ele, ou, por outras palavras, se você não concorda comigo é meu inimigo, no futebol esse sentimento perde totalmente a racionalidade e ganha o componente da violência – é só ver as brigas de torcida que acontecem antes, durante e depois de quase todo clássico. As pessoas transferiram para o futebol todas as suas frustrações e querem ver em seus times a redenção de suas vidas, a ponto de se acharem melhores que as outras só porque torcem para o time A ou B.
Acha exagero? Pois saiba que um cidadão já me disse que eu tinha inveja dele porque ele é torcedor de determinado time, convencido de que isso fazia dele uma pessoa superior a mim. É essa inversão de valores que o futebol tem provocado nas pessoas.
Meu filho não vai seguir este caminho, no que depender de mim. Quero que ele entenda que os amigos dele são mais importantes do que os times deles e que não é porque alguém torce para um time diferente que essa pessoa é melhor (ou pior) do que ele. Futebol deve ser divertido, e só isso. Uma grande brincadeira para fazer amigos, como espero que o torneio do clube prove.